terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Correio Popular entrevista Padre Felinto, o homem da Matriz

Em uma dessas tardes de diversão em frente à igreja ele acabou esquecendo de um casamento.Redação
“Me lembro que o saudoso Dom Marcelino, que era bispo de Carolina, pediu que eu viesse celebrar a missa aqui no dia primeiro de janeiro (1979) juntamente com o Frei Defendente. Eu não sabia que iria trabalhar em Santa Teresa. Cheguei aqui na missa de 6h30 da manhã. Ele (Defendente) entrou, se paramentou junto comigo e quando chegou no altar ele disse: ‘de agora em diante eu quero apresentar pra vocês o novo pároco de Santa Teresa, e eu tô indo embora’. Ele já tinha preparado a mala, que estava em cima de um jipe velho que ele tinha, e me deixou sozinho no altar. Eu era muito jovem, fiquei com as pernas e mãos tremendo e não sabia nem como prosseguir a missa”.
A cena relatada acima foi lembrada por Felinto Elísio Correia, 57 anos, o padre Felinto, na semana passada, quando reassumiu a igreja matriz de Santa Teresa D´Ávila recebendo-a do companheiro de batina Raimundo Nonato. Pouco tempo depois da estreia embaraçosa, o jovem padre, que na época tinha 25 anos, além de tocar o sino, abrir a igreja e cuidar das comunidades rurais, coordenava e atuava no grupo de teatro da paróquia e ainda jogava bola com os jovens.
Em uma dessas tardes de diversão em frente à igreja ele acabou esquecendo de um casamento. “Em frente à igreja tinha uma quadra de Voleibol, tínhamos um grupo grande, que inclusive disputava campeonatos com as cidades vizinhas, e treinávamos aqui diariamente. Eu abria a igreja, tocava o sino, fazia tudo, por que ainda não tinha sacristão. O jogo estava tão bom que eu esqueci um casamento. Estava apenas de calção, jogando, quando alguém gritou: ‘olha, a noiva está chegando para o casamento’. Tinha tanta gente de terno na igreja e eu passei correndo entre as pessoas, sujo, suado, todo mundo sorriu. Hoje não acontece mais isso”. (risos)
Ordenado a padre no dia 24 de dezembro de 1978, em Carolina, onde nasceu, Felinto tinha apenas sete dias como sacerdote quando assumiu a matriz de Santa Teresa. Em 1980 deixou Imperatriz para continuar os estudos em Teologia, na Alemanha, onde teve a oportunidade de trabalhar na igreja de Joseph Alois Ratzinger, na época bispo, hoje o Papa Bento XVI. Em 1981 retornou à Imperatriz assumindo novamente a igreja de Santa Teresa D´Ávila.
Começo
A decisão de seguir a vida sacerdotal foi tomada assim que concluiu o Ensino Médio, segundo grau de antigamente. Parte da educação foi recebida na Escola Técnica Federal de Goiânia, mas concluída em Carolina. “Voltei para Carolina porque minha família em Goiânia era muito comprometida por ser contra a ditadura militar, era perseguida, eu era de menor e voltei para Carolina. Na adolescência participava de grupos de jovens, fazia trabalhos sociais, como a arrecadação de alimentos, e sempre gostei de dividir com os outros, acho que isso foi o berço da minha vocação. Fui descobrindo que a vida tinha sentido no serviço aos outros”.
Não foi apenas decidir ser padre e começar a carreira. Vieram muitas duvidas e obstáculos, a começar pela falta de apoio da própria família. A princípio apenas a mãe de Felinto concordou. “Meu pai se colocou contra, ele queria que eu fosse qualquer coisa, menos padre. Cheguei a ir a Belém estudar Engenharia Eletrônica, mas terminei fazendo filosofia em Fortaleza. Depois que me tornei padre, meu pai foi a pessoa que mais me incentivou”.
Mudanças
A vida na Alemanha também não foi fácil. “Morei na Alemanha no tempo da Guerra Fria, não existia ainda a comunidade européia. A Alemanha era - e ainda é - uma grande potência, mas ainda era dividida. Convivi com o muro de Berlim, com uma cultura diferente. Tive que me adaptar aos costumes e à própria língua. Foi uma tarefa difícil. Para os contatos, eram os Correios. Em Carolina não tinha nem telefone. Até que eu avisasse a minha família que tinha chegado bem na Alemanha, foi mais de um mês de angustia”, relembra.
Em 1982, quando assumiu novamente a matriz, partiu para João Lisboa. Na pequena cidade o principal desafio foi viajar de moto ou jipe pelas estradas precárias, entre um povoado e outro, visitando as comunidades rurais. Felinto teve passagem apenas como padre ajudante na paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na Nova Imperatriz. Na catedral de Fátima foi onde ele ficou por mais tempo, 21 anos. O ultimo trabalho antes da volta à igreja que o recebeu como o primeiro pároco diocesano foi no bairro Bacuri, na paróquia Cristo Salvador. Foram seis anos. Hoje
“O maior obstáculo na vida de um padre hoje é o mundo secularizado, onde as pessoas têm muitas opções de vida. Colocar a proposta do evangelho como a proposta que é capaz de trazer a felicidade, a vida plena, é muito difícil. Creio que o grande desafio é o mundo secular. Na época em que comecei, algo que o padre dizia era um critério de verdade. Hoje a imagem é bem diferente, o que não anula a missão da gente. É o desafio de uma voz que clama no deserto”.
O homem que funciona com apenas 68% do coração devido a um infarto sofrido há dois anos e uma aneurisma na aorta, diz que uma das alegrias em voltar ao local onde tudo começou é poder reencontrar pais, mães, avôs e avós que há 34 anos eram os jovens que participavam das reuniões, faziam teatro e jogavam bola em frente à matriz.
Por Hemerson Pinto

Nenhum comentário:

Postar um comentário